Chefe da Casa Civil de Camilo, Élcio Batista afirma que situação de violência no Ceará também é responsabilidade do Governo Federal
chefe da Casa Civil, o sociólogo Élcio Batista tem um teste de fogo pela frente: ajudar a coordenar a resposta do Governo do Estado à série de atentados atribuídos a facções criminosas em Fortaleza e Região Metropolitana desde a última quarta-feira, 2, um dia depois da posse de Camilo Santana (PT) para o segundo mandato. Ex-chefe de gabinete do petista, Batista assegura que o Estado vai manter o enfrentamento às organizações que vêm atacando ônibus, vans, prédios públicos e privados, além de viaduto na BR-020, em Caucaia. Para o auxiliar de Camilo, porém, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) também é responsável pela onda de crimes no Estado. "O que estamos enfrentando aqui no Ceará é algo de competência do Governo Federal", afirmou. Questionado sobre as declarações recentes do secretário Mauro Albuquerque, da Administração Penitenciária, ele respondeu: "Dentro das prisões, é fundamental é que o império da lei prevaleça". Confira os principais trechos da conversa, feita no Palácio da Abolição.
O POVO - As facções são um desafio para o Estado. O governador Camilo Santana (PT) criou uma pasta apenas para lidar com a administração das prisões. Como o senhor avalia os episódios de ataques recentes na segurança?
Élcio Batista - A gente não pode entender o que está ocorrendo agora sem voltar ao passado, que é de negligência do Brasil como um todo, como nação, em relação às formas de prevenção social clássicas. Primeiro, escola de qualidade em tempo integral para todas as crianças do País. Segundo, apoio às famílias na criação dos filhos e no desenvolvimento infantil, adolescente e jovem. Terceiro, apoio para que as famílias pudessem ter mecanismos de convivência e cidadania. Não tivemos nada disso. Outro ponto é que não conseguimos construir no País um processo de repressão qualificada que fosse integrado entre Estado e União e cooperativo, ou seja, que houvesse cooperação de todos os poderes para enfrentar de forma o crime. Não construímos também uma política nacional de segurança pública que deixasse claro as competências e responsabilidades de municípios, estados e União. Não tivemos um sistema de financiamento da segurança pública. E, finalmente, as funções clássicas dos governos não foram levadas a cabo nos últimos 30 anos. Quais são elas? Proteger as fronteiras, combater o crime organizado e combater de forma efetiva o tráfico de armas e de drogas. São competências da União. Esse é o passado que nos trouxe até aqui. E o problema foi se avolumando.
OP - Do ponto de vista local, o deve ser feito?
Élcio - Quando assumiu em 2015, o governador Camilo Santana pautou essa questão. O que estamos enfrentando no Ceará é algo de competência do Governo Federal, que negligenciou. O governador, por várias vezes, disse: nós temos o Sistema Único da Saúde (SUS), temos o mecanismo de financiamento do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), mas não temos isso na segurança pública. De tanto o governador bater, o presidente Michel Temer e o senador Eunício Oliveira (ambos do MDB) resolveram pautar na agenda nacional a segurança como responsabilidade federal. A ponta do iceberg de tudo isso é o sistema penitenciário superlotado, com quantidade enorme de criminosos. Nos últimos 30 anos, isso se agravou. Como a repressão qualificada não aconteceu, viu nascer o crescimento das facções. Esse crime organizado se estabeleceu, criou muitas conexões e se colocou dentro do sistema no País todo. Esses problemas ocorrem de forma simultânea. Sabendo disso, o governador resolveu trabalhar em torno da segurança pública. Vamos colocar a responsabilidade do Governo Federal, mas vamos fazer também a nossa parte. Criamos mais vagas nos presídios, o governador contratou o maior número de policiais da história, fez concurso para agentes penitenciários, fez compra de armamentos.
OP - O que tem faltado?
Élcio - A tendência é que a gente consiga, no médio prazo, ter melhores resultados. No ano de 2018 já tivemos, com a redução de homicídios de assaltos a ônibus e a pessoas. Ainda não é suficiente. Precisamos trabalhar ainda mais. Mas quero crer que, com os novos modelos de financiamento e o que estamos fazendo aqui no Estado no âmbito da segurança e do sistema penitenciário, com maior investimento em escola de tempo integral, a gente vai conseguir tranquilizar a população.
OP - Esses são investimentos que surtem efeito em médio prazo, mas há um desafio para agora. O que o governo deve fazer?
Élcio - O Governo está preparado para dar pronta resposta para esse tipo de acontecimento. Nós vamos continuar trabalhando e dar as respostas necessárias. O governador tomou as decisões mais apropriadas para o momento. Antecipou a chamada de novos policiais, convocou 220 agentes penitenciários, pediu apoio do Governo Federal para reforçar nosso sistema. Tomamos as decisões apropriadas dentro do sistema para garantir a aplicação da lei. Ou seja, o governo está preparado para responder prontamente sempre que isso aconteça. Nós estamos trabalhando todo dia nessa área para obter melhores resultados. Mas não há como enfrentar o crime organizado se a gente não tiver um pacto entre os poderes.
OP - O secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, disse em entrevista que não reconhece as facções. O governo endossa essa política?
Élcio - A atuação, seja do secretário da Segurança, seja da Administração Penitenciária, precisa se pautar na aplicação da lei dentro do sistema e fora do sistema. Dentro das prisões, o que é fundamental é que o império da lei prevaleça. Há um lugar para os deveres que precisa ser implementado. O que estamos buscando no Ceará é isso.
OP - O que isso significa na prática?
Élcio - Significa que, dentro do sistema penitenciário hoje, se você tiver uma rebelião, as pessoas vão responder pelo que estão fazendo. A Polícia Judiciária vai lá fazer um inquérito para saber quem começou a rebelião, quais as possíveis punições baseadas no Código de Processo Penal. É isso que a gente está pretendendo fazer.
OP - Essa é uma "linha-dura" na administração penitenciária?
Élcio - É a aplicação da lei. O que está fazendo agora é um processo de aplicação da lei. E ao aplicar, espero que a gente tenha respostas necessárias. Junto com tecnologia e inteligência, esperamos que isso produza pacificação social.
OP - Essa nova política do secretário tem apoio explícito do governo?
Élcio - O secretário (Mauro Albuquerque) foi convidado. Ele esteve com a gente em 2016 e fez um bom trabalho no sistema prisional, que estava em crise por conta das rebeliões provocadas pelas greves dos agentes penitenciários. Ele veio, ajudou a estabilizar o sistema e ajudou para que a gente avançasse no Ceará. E agora retorna baseado nas competências que tem como policial civil, somada à experiência que tem no sistema prisional. Ele vai gozar da nossa confiança na medida em que conseguir efetivar um trabalho que produza resultados. Não é um processo fácil, não se resolve da noite para o dia. Não há mágica nisso. Precisa de muito trabalho e cooperação.
OP - O governo admite a possibilidade de intervenção federal, a exemplo do que aconteceu no Rio?
Élcio - O entendimento da gente é que o que o Governo Federal precisa fazer é apoiar os estados. Sempre que for chamado, é importante que dê apoio e essa cooperação aconteça para que se fortaleçam as relações institucionais. A intervenção não vai resolver o problema. Está aí o caso do Rio de Janeiro.
OP - O que foi estabelecido como linha de atuação além das medidas que o governador já anunciou?
Élcio - O governador liderou uma reunião ainda na quinta-feira para que a gente entendesse todos os eventos que ocorreram, como ocorreram, quando e de que forma. E para que a gente tivesse um panorama daquilo que poderia acontecer nas próximas horas e assim delinear as ações que seriam tomadas. Também para ficarmos preparados para receber o apoio do Governo Federal e trabalhar em parceria e estabilizar a situação nos próximos dias. Essas são as diretrizes. Sobre as ações de inteligência, não podemos dizer. São assunto reservado. O que posso falar é que a inteligência está integrada. A inteligência do sistema prisional com a inteligência da Polícia, da Polícia Federal etc.
OP - O Governo estava preparado para esses ataques? Chegou alguma informação sobre a possibilidade de uma ação das facções?
Élcio - Nosso sistema de inteligência está sempre preparado para detectar aquilo que pode ocorrer. Ele tem uma capacidade grande de entender e fazer uma boa leitura dos processos. Claro que não há sistema perfeito. Mas essa área do sistema prisional é da rotina. Mais do que isso não posso dizer.
2016
Mauro Albuquerque, novo secretário de Camilo, esteve no Ceará em 2016 para ajudar a debelar crise nos presídios
1º encontro
Segundo Élcio Batista, esse foi o primeiro contato entre Camilo e Mauro, que deixou boa impressão pelo trabalho
Polêmica
No dia da posse, Albuquerque afirmou que não reconhecia as facções. Ele também prometeu fazer pente-fino nas unidades
Abolição
A entrevista com Élcio Batista foi feita ainda na quinta-feira, um dia após o início dos ataques em Fortaleza. No Palácio da Abolição, o esquema de segurança já havia sido intensificado
Fonte: O POVO ONLINE
Postado por: Alex Albuquerque
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