No Estado, 209 postulantes não tiveram apoio de nenhum eleitor nas urnas. Destes, 12 ainda receberam verba pública para as campanhas. Eles podem ficar na mira dos órgãos de fiscalização sob suspeita de candidaturas fictícias
Por: Alex Albuquerque
Uma semana após o primeiro turno das eleições municipais, que definiu os vereadores eleitos no Ceará para os próximos quatro anos, chamam atenção os casos de candidatos que não tiveram nenhum voto nas urnas no dia 15 de novembro, mesmo tendo recebido recursos públicos para financiar as campanhas, segundo registros da Justiça Eleitoral. Há, ao todo, 12 aspirantes ao Poder Legislativo nesta situação, podendo ficar na mira dos órgãos de fiscalização sob suspeita de candidaturas fictícias. Eles ainda terão, entretanto, que prestar contas à Justiça Eleitoral.
Os recursos recebidos pelos 12 candidatos foram transferidos pelos partidos e são oriundos do fundo partidário e do fundo eleitoral, conforme consta em informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As quantias variam entre R$ 120 e R$ 2,4 mil. Apesar de os valores não serem elevados, a verba é pública e, caso não seja utilizada, precisa ser devolvida à União (se oriunda do fundo eleitoral) ou à agremiação (se proveniente do fundo partidário). A maioria dos postulantes, porém, nega ter recebido os valores registrados.
Do total de 16,1 mil candidatos no Estado em 2020, 209 não receberam o apoio de nenhum eleitor nas urnas – nem mesmo o próprio voto. Maranguape (20), Caucaia (13), Fortaleza (8) e Aquiraz (8), na Região Metropolitana, são os municípios com os maiores números de concorrentes que zeraram a votação. O levantamento foi feito pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares (SVM), com base em dados disponibilizados pelo TSE.
Entre as 12 candidaturas que receberam verba pública e não tiveram nenhum voto, cinco são do Podemos, duas do PSL, uma do PV, uma do PSD, uma do PSB, uma do Avante e uma do PT. Quatro destes postulantes a vereador informaram que não obtiveram votos porque desistiram da eleição e uma outra desligou a ligação ao ser questionada. Os quatro, inclusive, negam ter recebido qualquer valor dos partidos. O restante não atendeu às ligações ou não foi localizado.
Desistência
O candidato João Félix (PV), que concorreu a uma vaga no Legislativo Municipal de Aracati, disse que efetivou o pedido de registro de candidatura, mas desistiu do pleito por dificuldades financeiras. “O momento não era propício, a situação financeira não estava das melhores. Votei em outra pessoa e não em mim porque eu desisti”, justificou.
No TSE, consta a informação de que ele teria recebido R$ 1 mil do diretório municipal do PV. No entanto, o candidato nega ter usufruído do valor. “Não recebi nada. Inclusive, ainda vou fazer a prestação de conta e, se tiver na conta (registrada na Justiça Eleitoral), vou devolver”, ressaltou.
A candidata Hisabele Bruno (PSL), que disputou uma vaga de vereadora em Itapipoca, disse que a agremiação não informou sobre o depósito de nenhum recurso. Nos dados do TSE, há registro da transferência de R$ 2,2 mil do PSL para a candidatura. “Quando eu ia começar a fazer a campanha, não pude levar à frente por conta da minha gravidez que é de risco. E eu não informei (a desistência à Justiça Eleitoral) porque não sabia se teria problema, já que eu não fiz campanha, não pedi voto e não recebemos dinheiro do partido”, salientou.
O postulante a vereador em Paracuru André Paiva (Podemos) afirmou que não recebeu recursos e que comunicou à legenda que iria desistir da campanha. Ele acrescentou, ainda, que se o partido tiver depositado algum valor na conta da sua candidatura, irá devolver. Na Justiça Eleitoral, consta transferência de R$ 580 da sigla para o candidato.
“Não votei em mim e não comuniquei a desistência, porque eles (do partido) me orientaram a não pedir voto e não fazer campanha. Comuniquei ao partido que ia desistir, porque a quantidade de votos que a gente ia receber ia ser insignificante. Vou fazer a prestação de contas. Se tiver entrado algum dinheiro deles, vou devolver, mas não recebi”.
De acordo com a Justiça Eleitoral, o Podemos também informou a transferência de R$ 580 para a concorrente Varliane Barreto, que disputou vaga no Legislativo de Maranguape. A reportagem entrou em contato com o número de telefone informado pela candidata no registro ao TSE. A ligação foi atendida por um homem que se identificou como marido dela, mas não informou um nome. Ele disse que a postulante “desistiu, não recebeu e não usou nada, e se recebeu foi devolvido”.
A candidata a vereadora em Jaguaribara Amanda Pijama (PSB) desligou a ligação após ser questionada. Segundo consta na Justiça Eleitoral, ela teria recebido R$ 120 do PSB.
Despesas
Os candidatos ao Legislativo Cion Louro (PSD), em Independência; Márcia Maia (Podemos), em Limoeiro do Norte; Landia Beviláqua (Podemos), em Maracanaú; Greiciane Barreto (Podemos), em Maranguape; Professora Eloi (PSL), em Nova Russas; Muricinho da Itaipaba (Avante), em Pacajus; e Karol Barros (PT), em São Gonçalo do Amarante, foram procurados, mas não atenderam às ligações ou não foram localizados.
Cada um recebeu, respectivamente, R$ 1,2 mil; R$ 827; R$ 2,4 mil; R$ 580; R$ 2,2 mil; R$ 2,2 mil; e R$ 580 em verba pública. Em comum, não tiveram nenhum voto. Cion Louro e Muricinho Itaipaba chegaram a declarar despesas de campanha.
Regras
A advogada Isabel Mota, especialista em Direito Eleitoral, explica que, no caso de desistência, o candidato não é obrigado a informar à Justiça Eleitoral. No entanto, ele corre o risco de ficar na mira do Ministério Público e da Polícia Federal sob a suspeita de candidatura fictícia, independentemente de ter recebido verba pública ou não.
“Um dos elementos utilizados para avaliar se a candidatura é fictícia ou não, é se ela não recebeu votos, se recebeu recursos. É preciso ficar atento, porque a caracterização de candidatura fictícia pode prejudicar a chapa inteira apresentada pelo partido no pleito proporcional. Vamos supor que esse partido lança dez candidatos, três mulheres que não fizeram campanha e estavam ali só para compor a cota de gênero, e o partido elegeu um ou dois candidatos. Eles podem ser cassados por conta das fictícias”, explica.
Além disso, Mota frisa que os candidatos que desistiram, principalmente se tiverem recebido recursos públicos, precisam obrigatoriamente prestar contas à Justiça Eleitoral sob pena de ficarem inelegíveis. Sobre as devoluções, ela esclarece que ainda podem ser feitas sem nenhum prejuízo aos postulantes, já que os que os concorrentes que disputaram o primeiro turno têm até 15 de dezembro para informar a prestação de contas final ao TSE.
“Nenhum candidato, independentemente de renunciar ou desistir, se exime do direito de prestar conta. Renunciantes ou não, eleitos ou não, têm que prestar contas. Se não prestarem contas podem ficar inelegíveis”, acrescenta.
A advogada também diz que para evitar qualquer problema futuro, o ideal é que os desistentes informem pedido de renúncia ao TSE. “Se a renúncia ocorrer no período de substituição, que é até 20 dias antes do pleito, o partido pode substituir. Se for depois do período, o partido não tem mais nada para fazer, ele não precisa substituir”.
Prestação de contas
O TSE ressalta que a prestação de contas é um dever de todos os candidatos, inclusive vices e suplentes, e dos diretórios partidários. Trata-se de uma medida que busca garantir a transparência e a legitimidade da atuação partidária nas eleições.
Proporcionalmente
Em caso de renúncia, desistência ou indeferimento de pedido de registro, o candidato deve prestar contas correspondentes ao período em que participou do processo eleitoral, mesmo que não tenha feito campanha.
Parcial
Os candidatos e partidos tiveram até o dia 25 de outubro para enviar à Justiça Eleitoral a prestação de contas parcial das Eleições 2020. Nesta etapa, era obrigatório informar toda a movimentação financeira e/ou estimável em dinheiro do início da campanha eleitoral até o dia 20 de outubro.
Fonte: Diário do Nordeste
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