O governador do Ceará, Camilo Santana (PT), disse, em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares, que está em curso um processo de “desorganização” da Polícia e isso tem a ver com as questões políticas e com a sucessão na Capital. Isso “abriu brecha” para o crime e culminou num aumento do número de homicídios.
Por: Alex Albuquerque
Na entrevista, Camilo falou sobre os desafios da pandemia do novo coronavírus, contou por que não foi ao encontro do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Cariri e confessou que se sentiu desrespeitado por não ter sido chamado para uma reunião da presidente nacional do PT em Fortaleza sobre a sucessão municipal. Mesmo assim, disse querer diálogo e ter um objetivo: unir PT e PDT.
O Ceará foi um dos primeiros a decretar isolamento social. Surtiu o efeito esperado?
Sem dúvidas. O que mais comprova isso são os estudos feitos pelos especialistas: Comitê Científico, universidades, que mostram que se o estado – principalmente Fortaleza – não tivesse feito o isolamento mais rígido, a gente teria multiplicado o número de casos. Foi fundamental para poder garantir que a população estivesse protegida, a transmissão fosse mais lenta e, principalmente, dar tempo para que o Estado e o Município tivessem capacidade de aumentar o atendimento. Eu não tenho dúvida que o isolamento foi uma das mais importantes medidas.
No interior, em junho, praticamente dobrou o número de mortos. A situação saiu do controle?
O que a gente tem feito é orientar os municípios. Temos dito desde o início aos prefeitos que o principal é fortalecer a atenção básica. Se o município se antecipa e identifica as pessoas nos primeiros dias de sintomas e já inicia o tratamento com o protocolo, que inclusive foi estipulado pela Secretaria de Saúde, você evita o agravamento do caso. Foi o que aconteceu aqui em Fortaleza. A gente tem insistido que os prefeitos... Eles receberam dinheiro do Governo Federal, quase R$ 600 milhões, nós distribuímos EPIs e testes para todos os municípios... O importante é que possamos ter toda a rede funcionando e que todas as pessoas possam ser assistidas. A pandemia não passou. Todas as decisões aqui são baseadas no comitê científico, para proteger vidas.
Muita gente saiu às ruas mesmo no isolamento. A fiscalização falhou?
A gente fez o que estava disponível. Colocamos toda a equipe da Segurança Pública. Aqui em Fortaleza a parceria com a Agefis, guarda municipal... Temos que compreender as diferenças entre cidades e realidades sociais distintas. Fazer um isolamento num bairro como o Pirambu, com adensamento demográfico, uma família com oito pessoas mora praticamente num cômodo único... A gente tem que compreender um pouco desse aspecto. Há também um problema que foi o estímulo da maior autoridade do País (presidente Jair Bolsonaro) contrário ao isolamento. Enquanto estados e municípios trabalharam o isolamento, nós tínhamos a autoridade maior que estimulava. O Ceará, quando comparado com os outros estados, sempre se manteve nos primeiros lugares em isolamento social.
Outro tema que está chamando atenção em meio à pandemia é o recrudescimento da violência. A que o senhor atribui isso?
Eu só acredito em qualquer política pública se ela for pensada, estratégica, etc. A gente desde o início tem construído uma política que é, inclusive, apoiada pelo Fórum Nacional de Segurança Pública. Construímos essa estratégia que havia necessidade de investir em inteligência, tecnologia, em mais profissionais, numa Polícia mais ostensiva. Contratei 10 mil homens no meu governo, investi em equipamentos… No sistema prisional, tivemos todo aquele embate, não tenho dúvidas que hoje mudou a realidade do sistema carcerário cearense. Ao longo dos anos, fomos, com essa estratégia, desmantelando o crime no Ceará. Em 2017 foi aquela crise no Brasil inteiro, os conflitos das facções. Em 2018 nós conseguimos reduzir, 2019 foi aquela queda por conta da intervenção no sistema prisional. O que eu vejo, se for analisar se é coincidência ou não, do final de 2019 pra cá começa um movimento de desorganizar um pouco a Polícia. Por isso, que desde que eu cheguei ao governo, defendo duas coisas: primeiro, tem que haver uma organização em nível nacional e não tem. O outro ponto é (combater) a partidarização da polícia.
O senhor atribui a isso (possível partidarização) essa "desorganização"?
É muita coincidência você iniciar um processo de desorganização da Polícia... Não se justificava aquele motim (dos policiais militares em fevereiro). Foi estimulado sem nenhuma razão. O Estado deu o aumento, melhorou, sempre dialogou, nunca teve tantas melhorias… Eu promovi 18 mil homens da PM. Se for analisar o que a gente investe em Polícia do início do meu governo pra agora, é incomparável. Aumentou quase R$ 1 bilhão no investimento em Segurança. Então, é claramente um movimento político. É um tema complexo, desafiador, exige não só um investimento na parte da segurança, mas também um debate social da inclusão, enfim... Eu não tenho dúvida que houve um movimento de desorganizar a Polícia. E desorganizou. Do motim pra cá continua. Isso é um reflexo desse movimento, estamos tentando reorganizar. E isso abriu brecha muito grande pro crime. Estamos agora atravessando essa pandemia que tirou o foco do governo nessa área, mas estamos agora trabalhando mudanças e vamos anunciar um conjunto de medidas em breve. Coincide também o ano eleitoral, temos candidato à prefeito policial, temos interesses... Por isso, eu tenho defendido que é preciso mudar a lei. Não pode o juiz ser candidato e voltar pro cargo (citou um exemplo), se você quer ir pra política, saia da polícia. Eu defendo que as pessoas precisam ter melhores salários, tenho procurado fazer isso dentro de uma crise. Não quero proibir que as pessoas participem da política, mas tem que ser uma opção que têm que fazer. Não dá pra misturar polícia com partido político.
Já que estamos na política, esse episódio da visita do Bolsonaro, o senhor não foi. Qual o motivo?
É preciso ter coerência. Estamos no meio de uma pandemia, a região está crescendo nos casos, Juazeiro inclusive com "lockdown". Não se justifica num momento em que estamos pedindo às pessoas pra ficarem em casa e evitar aglomerações, um evento desse não ter aglomerações. A minha decisão em não ir foi por esse motivo. Tinha que ser adiado... Eu conversei com o (ministro Luiz Eduardo) Ramos. Ele, inclusive, concordando comigo. Nós tomamos conhecimento do evento pela imprensa... Então, eu me antecipei, liguei pro ministro, pedindo para ponderar pela pandemia, em respeito à população. A minha decisão de não ir foi por conta disso. Além do fato que não houve convite oficial para o governador. Não quis dizer para não gerar problema, até porque não foi determinante para eu não ir.
O senhor já iniciou o diálogo sobre eleições em Fortaleza?
O nosso foco nesse momento tem sido todo nessa pandemia. O que eu estava fazendo e vou continuar fazendo, em relação a Fortaleza, é tentar unir todos os partidos que dão sustentação ao governo, ou seja, que o PT esteja junto com PDT. Acho que a gente precisa construir e consolidar um projeto para Fortaleza, meu comportamento é que eu irei até o último momento se for possível. Claro que não está apenas sob a minha decisão... Mas a ideia é que haja uma aliança aqui em Fortaleza dos dois partidos que dão sustentação, é isso que eu vou procurar construir, apesar dos movimentos do diretório municipal (do PT).
Aqui, fontes do PT dizem que o Guimarães e o José Airton vieram construir uma candidatura própria a pedido do próprio Lula. O diálogo assim não teria de ser nacional?
Eu acho que também tem que ter um diálogo aqui, até porque o (PT) nacional não pode impôr. As coisas precisam ser dialogadas e construídas aqui também, até porque são realidades diferentes agora. Se tiver que dialogar lá, até porque eu tenho tentado dialogar, vamos dialogar. Vamos ter mais tempo por conta da prorrogação da eleição, mas a minha determinação será ir no limite da construção dessa aliança aqui em Fortaleza. Se será possível ou não…
No início do ano, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, veio aqui e encaminhou um acordo de candidatura. O senhor foi convidado?
Não fui. Eu acho que é um desrespeito ao governador do estado, que é do partido. Mas mesmo assim eu sou homem de diálogo, acho que tudo precisa ser construído. O que a gente puder buscar numa unidade, todo mundo sabe que eu sou aliado ao prefeito Roberto Cláudio, aliado do PDT aqui, faz parte da minha base de sustentação... A minha vice-governadora é do PDT, tem toda a relação histórica na construção disso. São partidos que tem muito mais proximidades que divergências, então não há motivo. Principalmente no momento em que o País vive de movimentos antidemocráticos, de defesa do fascismo, não é possível que esses partidos que defendem a democracia, defendem a vida… então esses partidos precisam se aproximar, principalmente pra defender um projeto que está em curso no Ceará, em Fortaleza, que tem tido avanço. Precisa de melhorias? Precisa. Mas acho que a gente precisa consolidar, essa que é a minha posição e vou defender isso e tentar construir até o limite.
O senhor defende a busca de outros partidos?
Acho que todos os partidos que estiverem na base e poderem estar juntos, ótimo. Mas isso vai depender de quem será o nome que poderá aglutinar mais forças, construir essa capacidade de dialogar com os outros partidos. Claro que cada município tem a sua realidade, o PT estará junto com o PDT num município, em outro não. É um conjunto de partidos que tem realidades municipais diferentes. Vou procurar buscar, se nós vamos conseguir…
O adiamento das eleições para quem está no Governo é bom ou é ruim?
Não olho pro lado político, olho pro sanitário. A gente não tinha como fazer uma eleição num momento que, inclusive, tem estados que estão aumentando o número de casos. (sobre política) Eu acho que para o país é melhor. Porque uma eleição não é só pra se escolher um candidato, é um debate o projeto, as ideias, sobre a cidade. Então, acho que vamos ter mais tempo para a população debater, pros candidatos poderem se apresentar… é melhor para a democracia.
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