Quanto custa ser lembrado nas urnas numa eleição municipal? Campanhas milionárias se mantêm nas grandes cidades do Estado, mas consecutivas limitações impostas pela Justiça Eleitoral têm reduzido as despesas
Por: Alex Albuquerque
A figura do candidato político que podia andar de casa em casa, em quase toda cidade, pedindo voto, é inimaginável na realidade de crescimento dos grandes centros urbanos. Atingir o maior número de eleitores é o que move as estratégias de campanha e o volume de dinheiro envolvido nelas.
O exacerbamento de gastos nas eleições, incluindo a realização de shows com grandes artistas, altos salários para prestação de serviço e despesas com materiais diversos, soou o alerta na Justiça Eleitoral nas últimas décadas e provocou mudanças nas regras de campanha. Apesar do barateamento visto nos últimos pleitos, os custos continuam milionários, e em 2020 não deve ser diferente.
Desde a redemocratização, nos anos 1980, o custo das campanhas mudou, especialmente pelos regramentos para garantir equidade entre candidatos e combater a corrupção. Para as eleições deste ano, paira a expectativa sobre a força que a internet continuará exercendo nas táticas eleitorais e o impacto de se bancar os pleitos com dinheiro público, já que, desde 2015, é proibido o financiamento empresarial de campanha. Ainda não se sabe se o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aprovará os R$ 2 bilhões no Orçamento para o chamado Fundão Eleitoral.
O teto de gastos das campanhas, criado em 2016, para prefeito e vereador, será o mesmo da última eleição municipal, corrigido pela inflação. Há quatro anos, candidatos a prefeito podiam gastar até R$ 12,4 milhões no primeiro turno em Fortaleza – além de R$ 3,7 milhões no segundo. Postulantes ao cargo de vereador na Capital tinham teto de R$ 460 mil.
A Justiça Eleitoral ainda não divulgou os valores atualizados. Ainda assim, a roda das eleições 2020 gira. Mas qual o custo para que ela leve o candidato até o eleitor?
“Tudo o que você faz em campanha tem um custo. Se vai fazer uma caminhada, o candidato vai beber água, vai ter uma pessoa do lado dele... Isso depende da estratégia”, afirma a advogada Isabel Mota, especialista em Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Adradep).
Último pleito
Em 2016, a campanha do prefeito Roberto Cláudio (PDT) – para reeleição –, custou R$ 10,3 milhões, cerca de 42% menos que em sua primeira disputa ao Executivo, em 2012, cujo total chegou a quase R$ 18 milhões. A redução foi semelhante nas despesas dos adversários, no segundo turno. Em 2012, Elmano de Freitas (PT), gastou R$ 11,5 milhões. Já Capitão Wagner (então no PR) desembolsou R$ 6,1 milhões em 2016.
A mudança é explícita no volume de gastos e nos investimentos. Em 2012, a principal despesa de Roberto Cláudio foi com “serviços prestados por terceiros”: R$ 5,5 milhões, segundo consta na prestação de contas à Justiça Eleitoral. Dentre eles, estão serviços de comunicação, publicidade, assessoria jurídica e segurança, por exemplo. Quatro anos depois, a maior despesa foi com “programas de rádio, de TV e vídeos”: R$ 3,6 milhões.
Entre uma eleição e outra, a legislação eleitoral vem eliminando gastos. A despesa de R$ 630 mil, em 2012, com publicidade por placas, estandartes e faixas desapareceu em 2016.
Outros tempos
A advogada Isabel Mota pontua que as tentativas de reduzir os gastos das campanhas se fortaleceram em 2006, quando se começou a reparar nos custos não contabilizados. “Foram proibidos o showmício, as camisas e o outdoor. Cada vez mais se tentou diminuir esses itens, principalmente em matéria de propaganda, porque é mais fácil mudar a legislação”.
Embalada pela canção “Maria, Maria” de Milton Nascimento, a campanha que elegeu a primeira mulher ao cargo de prefeita no País, Maria Luiza Fontenele, em 1985, foi também, na avaliação do publicitário Ricardo Alcântara, um marco na estratégia eleitoral. Para ele, Maria Luiza teve “uma campanha de televisão muito criativa e inovadora”.
Alcântara, que tem na bagagem 18 campanhas políticas, ressalta que, historicamente, a estratégia de chegar até o eleitor no Brasil tem por base as campanhas feitas nos Estados Unidos, com foco nos meios de comunicação massivos, TV e rádio.
“Na campanha de 1986, que elegeu Tasso Jereissati governador, o programa eleitoral tinha 20 minutos e os programas se estendiam por 80 dias. Era uma campanha muito longa”. Nessa época, ressalta ele, a desigualdade se estabelecia principalmente a partir da disponibilidade de dinheiro para contratar artistas famosos, para pintar muro e pregar cartazes nas ruas e para distribuir camisetas, bonés e etc.
“O primeiro movimento foi o de controlar os fatores que desequilibravam as condições materiais de disputa. O segundo foi aquele no qual se reduziu o tempo de propaganda eleitoral e se introduziu um novo elemento que foram as pílulas de inserções comerciais no rádio e na televisão”, frisa o publicitário.
Ele se refere às inserções de 30 a 60 segundos no rádio e na TV, instituídas por lei em 2015. “Isso mudou muito a lógica das estratégias. Os programas eleitorais vêm perdendo audiência continuamente. Foi uma forma de compensar. A audiência disso (inserções) é uma coisa extraordinária, já mudou rumo de campanha”.
Internet
Nas campanhas mais recentes, as táticas (e os gastos) dos candidatos se mantêm fortes na televisão e no rádio, na mobilização da militância nas ruas com bandeiras, nas carreatas e na produção de jingles e slogans. Músicas, vídeos e “santinhos”, entretanto, migram cada vez mais para uma mesma plataforma: a Internet.
“A terceira grande mudança é o advento das redes sociais que forçou uma nova atualização nas regras. Nesse caso, a mudança nas formatações estratégicas foi mais radical. A internet fez na política a grande mudança que ela fez em outras áreas”, analisa Alcântara.
O regramento precário para as campanhas nas redes sociais e o combate a informações falsas, segundo ele, impacta em custos de processos judiciais para remover publicações e na redução do controle da imagem que se tenta construir do candidato. “A campanha não é o que dizemos para o eleitor. É o que os eleitores falam entre si. O controle que temos sobre as ‘fake news’ é muito pequeno”.
Tempo
O protagonismo das redes sociais também antecipa a campanha. “O que a legislação diz hoje: nas redes sociais, as pessoas podem colocar seus nomes, contar sua história, dizer das suas propostas, só não podem dizer ‘sou candidato’, o que é uma coisa irrisória”, diz o publicitário.
“Essa tentativa de suposto combate à corrupção tem que ser pensada. Quem vai atingir? Os políticos tradicionais? Porque para muitos é até bom que as campanhas sejam mais baratas. Podem gastar menos, mas como vão gastar? Vão investir em quê? Na Internet, na segmentação de conteúdo, o que vão disseminar?”, pontua Isabel Mota.
Para ela, a democracia tem um custo e é fundamental que ele seja pensado. “Estou diminuindo um valor, mas estou ganhando o quê? A gente dificulta que o eleitor seja cada vez mais consciente e possa fazer escolhas mais pensadas”.
Despesas dos vereadores
Apesar do teto de R$ 460 mil, as campanhas para vereador, em Fortaleza, passam longe desse limite. Em 2016, o vereador eleito mais votado, Célio
Studart (ex-SD, hoje PV), gastou R$ 24 mil; já o vereador eleito menos votado, Dummar Ribeiro (PPS) desembolsou R$ 4,4 mil.
Dummar afirma que o êxito da campanha se deu pelo serviço prestado à população e às redes sociais. “Quem me salvou dessa vez foi o WhatsApp. Tenho uma média de 1.200 números de telefones de pessoas que me conhecem. Botei meu filho para se comunicar com esse pessoal, enquanto eu fazia as visitas. Minha votação foi de 3.115 votos”, ressalta.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ou apenas Fundo Eleitoral, foi criado em 2017. Sua criação se seguiu à proibição do financiamento privado de campanha.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu doações de empresas a campanhas políticas, sob alegações de haver desequilíbrio na disputa política e
exercício abusivo do poder econômico.
Altos custos e mais proximidade com o eleitor no Interior
Se em Fortaleza o valor das campanhas foi reduzido, no Interior o montante de gastos pelos candidatos que protagonizaram o topo das disputas aumentou.
Em Juazeiro do Norte, em 2012, o candidato eleito Raimundão (PMDB) desembolsou cerca de R$ 1 milhão, enquanto seu principal adversário, Dr. Santana (PT), gastou pouco mais de R$ 283 mil. Quatro anos depois, a soma da despesa dos candidatos Arnon Bezerra (PTB) e Gilmar Bender (PDT) chegou a R$ 2 milhões.
O cenário foi semelhante em Sobral. Em 2012, Veveu Arruda (PT) protagonizou uma campanha que custou R$ 983 mil contra Dr. Guimarães (PV), que pagou R$ 117 mil. Já em 2016, o atual prefeito, Ivo Gomes (PDT), gastou R$ 1,3 milhão contra R$ 731 mil de Moses Rodrigues (MDB).
“É um custo alto, mas a democracia tem um custo, é o que se paga para que se faça um processo eleitoral legítimo e equânime”, afirma o advogado especialista em direito eleitoral, Irapuan Camurça.
Na maior parte das cidades do Interior, no entanto, prevalece o corpo a corpo, dados o espaço geográfico menor e a população reduzida. “No Interior, geralmente todo mundo se conhece, sabe o nome da família. Isso, em época de política, fica pior”, pontua o consultor político Leurinbergue Lima.
Ele ressalta que a Internet tem sido um dos principais canais de mudança nas estratégias.
“O advento das redes sociais veio também a substituir os palanques. Até seis anos atrás, todo mundo fazia comício. Hoje quase não tem. As pessoas iam ainda pelas grandes lideranças. Os comícios de hoje são nas redes sociais, o candidato faz uma ‘live’. Ainda assim, isso não substitui o contato direto, as caminhadas, as bandeiradas nas esquinas, e a visita à feira”, destaca Leurinbergue Lima.
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